As duas faces da Política Externa Portuguesa inseridas no diálogo das civilizações
Há nos confins da Ibéria um povo que nem se
governa nem se deixa governar, na voz de Júlio Cesar. Há um pequeno país
situado no Sul da Europa, o mais ocidental de todas as culturas europeias,
delimitado a Norte e Este por Espanha e a Sul e Oeste pelo Atlântico. Há uma
civilização que nasce no século XII e que, em apenas três séculos, torna-se
numa potência regional a nível económico, social e cultural, pela descoberta
que inicia do mundo através dos seus limitados meios e abundância de ambição.
Há uma história por detrás de cada monumento levantado, de cada Memorial
enaltecido, de cada obra imortalizada, moldada pelas mãos de um herói
colectivo, porém esquecido, identificado por José Saramago e que se sacrificou
em cada batalha ao longo dos séculos na construção dessas histórias. Há um
Estado que hoje colhe amargos frutos de um conturbado período a nível
conjuntural que, em menos de cem anos, revela cinco facetas distintas no que
toca à sua inserção no mundo. Há um futuro, misterioso e quanto incerto, para
estes homens livres, lusitanos, que ainda persistem no século XXI: os
portugueses.
Ao longo dos tempos, a posição de Portugal no
contacto com outras civilizações tem-se regido pela inserção internacional que
as suas prioridades a nível de política externa exigem e, por isso, um factor
de extrema influência na relação com outros países. Cada relação é, assim, uma
forma de diálogo distintivamente única que se estabelece entre as duas partes,
arreigadas a interesses nacionais e sujeitas a pressões externas. No caso
português, verificam-se, curiosamente, momentos da sua história distanciados de
diálogo com civilizações, que tomam a forma de monólogo, remando contra a maré
tendenciosa europeia, onde encarna uma personagem que vagueia sozinha, por
vezes, pelo palco das civilizações, orgulhosamente só (Salazar, 1967). Noutros
tempos, ainda o faz em oposição colonial ao liberalismo difundido por Napoleão
no século XIX. Mas a constante dualidade de prioridades da política externa
portuguesa não permite a durabilidade desta dança individualista; é necessário
o país conectar-se em modo de diálogo para poder defender os seus interesses no
palco internacional, como qualquer outro actor nacionalista: Europa ou
Atlântico.
É ainda curioso notar que, nos períodos genéticos
da formação de novos regimes políticos internos, estes também se pretendam
definir por mudanças na política externa (Ferreira, 2006, 9), ou seja, assistimos,
em períodos de mudança de regime político, evidentes alterações na política
externa, passando de uma monarquia constitucional para o clima de instabilidade
republicana, que consequentemente é transformado numa ditadura militar,
legitimada pelo Estado Novo, que instaura um modelo autoritário, decomposto,
depois, pelo estabelecimento da democracia, em 1974.
A História mostra-nos que uma simples escolha
pode comprometer uma civilização inteira. É simples: no palco das civilizações,
elas aparecem e desaparecem (…) umas duram o tempo de dois ou três
espectáculos, outras atravessam alguns séculos (Braudel, 1989, 42). Portugal
tem sido um actor único, cuidadosamente tratando dos seus conflitos externos,
escolhendo as suas prioridades e agindo em conformidade com a imagem que
transmite internacionalmente. Não podemos negar que algumas escolhas mais
radicais do passado possam ter fragilizado a credibilidade do país. Mas, hoje,
Portugal joga de acordo com os outros actores e integra-se no mundo real onde
convergem as relações entre as diferentes culturas. Olhando para o belicamente
danificado século passado, assumimos hoje a cooperação ao conflito,
salvaguardando o bem-estar dos países que optam por outro tipo de persuasão. E
o nosso país não é excepção.
Marcado pela sua pequenez, material e humana,
Portugal afirma-se essencialmente a partir do século XV, com uma política
aventureira expansionista, bloqueado para a Europa pela vizinha Espanha, que se
estuda como uma interessante constante condicionante histórica que explica a
misteriosa relação de confronto – “De Espanha, nem bom vento nem bom casamento”
– e proximidade entre os dois países ibéricos – a neutralidade colaborante
durante a Segunda Guerra Mundial -, por motivos claramente geográficos e, por
isso, histórico-culturais.
Inicialmente, a expansão portuguesa dá-se por
terra, para o Norte de África, com a conquista de Ceuta, com D. Afonso V, onde
se dão os primeiros contactos com o continente africano, rico em
matérias-primas. O seu filho, D. João II, muda de rumo, arriscando a expansão
pela via marítima, onde estreia o Atlântico com as suas caravelas e tecnologia
de herança árabe. É neste período da sua história que Portugal encara as suas
potencialidades como potência, chegando à Índia com Vasco da Gama, em 1498, e
ao Brasil com Pedro Álvares Cabral, em 1500, juntando a descoberta de Macau, já
no século XVI, bem como o progressivo avanço em África. Luís de Camões canta,
em Os Lusíadas, as aventuras dos portugueses por mares nunca dantes navegados,
que Fernando Pessoa diz pertencerem a Portugal, quando retoricamente questiona:
"Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal?/ Por te
cruzarmos, quantas mães choraram,/ Quantos filhos em vão rezaram?/Quantas
noivas ficaram por casar/Para que fosses nosso, ó mar!”. É o começo de um
esforço estratégico muito intenso, que se prolongará durante vários séculos. O
contacto entre civilizações é incrivelmente inovador para a época, enriquecendo
o espírito do pequeno povo português, que se vê finalmente alargado às suas
dimensões, outrora tão limitadas no continente europeu. É reconfortante pensar
que a presença portuguesa nestes lugares nunca poderá ser apagada, apenas será
continuamente absorvida e desvanecida pelo seu afastamento. Mas Portugal
pretende nutrir uma boa relação com países em que a cultura portuguesa se
encontra demasiado entranhada para desaparecer, como é o caso dos Países
Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), uma iniciativa da segunda
metade do século XX, posterior à conturbada descolonização, devido à Guerra
Colonial. Foi este Império que o Estado Novo procurou proteger objectivamente
na sua política externa, a custo do próprio isolamento internacional, mesmo
aquando da mudança do estatuto jurídico das colónias portuguesas para províncias
ultramarinas, partes constituintes de um só império… O Atlântico tem sido uma
vertente muito presente na política externa portuguesa, uma opção a que
Portugal regressa sempre, quando os ventos são favoráveis.
Por outro lado, não é justo negar a importância da Europa para Portugal, porque
esta nunca foi totalmente neutra durante a sucessão dos regimes políticos. A
participação portuguesa nos vários eventos europeus mostra este vínculo, que um
dia desaguará como cidadania europeia, com a criação da União Europeia. No
início do século XIX, sofremos três invasões francesas como consequência da
recusa de adesão ao Bloqueio Continental à Grã-Bretanha, velho aliado desde a
Idade Média; combatemos na Primeira Guerra Mundial, em 1916; participámos nas
resoluções de paz, em 1919; na década de 1960, o país entra para a EFTA;
participa na fundação da NATO e da OECE, actual OCDE, e entra posteriormente na
ONU, devido ao veto pela União Soviética; em 1970, estabelece acordos com as
Comunidades Europeias, só entrando definitivamente em 1986; em 1992, a União é
oficializada pela união económica e na criação da identidade europeia. Hoje,
mais do que nunca, Portugal fomenta os laços dentro da civilização europeia,
fortalecendo-os. Há perspectivas que supõem o avanço da união para o plano
político, confirmando a dependência de Portugal em relação à Europa e
condicionando, em parte, o seu diálogo com as civilizações fora da corrente
europeísta.
Penso sinceramente que o monólogo lusitano é
justificado por esta particularidade que envolve as suas relações com as várias
civilizações: um passado histórico e pretensões futuras distinguem Portugal
enquanto membro da família europeia, que não abdica dos vínculos especiais com
os PALOP e o Brasil, tornando-o num caso particular de política externa, que
nunca será verdadeira e absolutamente absorvido pelas convicções da UE. O
próprio atraso português na adoptação de novas cores ideológicas e correntes de
pensamento em comparação com os outros países é um factor de margilização, deixando-o
sempre um pouco à parte e fora da maré europeia. Por isso, é um actor
misterioso, sempre com duas faces.
Os lusitanos, como um povo ibérico anterior à
chegada e conquista romanas à península ibérica, não teceram qualquer registo
nativo da sua actividade até esse momento, deixando um rasto misterioso quanto
ao seu passado e, por isso, em relação ao seu futuro. O sangue lusitano
permanece ainda hoje na raça portuguesa, e vive em Portugal, e na mística que
envolve este pequeno corajoso país que, respeitando e ouvindo a Velha Mãe
Europa, não deixa de espreitar nostálgica e esperançosamente, da sua janela, o
imenso Atlântico.
Francisca Sassetti
1º Ano, Ciência Política
BIBLIOGRAFIA
- BESSA, António Marques (2012), O Olhar de Leviathan: Uma Introdução à Política Externa dos Estados Modernos, 2ª Edição Revista e Ampliada, Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa
- BRAUDEL, Fernand (1989), Gramática das Civilizações, Teorema, Santa Maria da Feira, pp 5-50
- FERREIRA, José Medeiros (2006), Cinco Regimes na Política Internacional, Editorial Presença, 2006
- MOREIRA, Adriano (1977), O Novíssimo Príncipe, Intervenção, Lisboa.
- NOGUEIRA, Franco (1971), As Crises E Os Homens, Ática, Lisboa.
- OLVEIRA, Salazar (1967), Discursos e Notas Políticas, VI: 1956-1966, Coimbra Editora, Coimbra.
Duas palavras: Parabéns e Obrigada
ResponderEliminarGrande texto, Sassetti. Parabéns!
ResponderEliminarObrigada! É tão bom ter este tipo de resposta de quem "nos lê"!
ResponderEliminarMas leiam também outros textos no blogue, que são incríveis e muito bem escritos!