domingo, 5 de maio de 2013

O Monólogo Lusitano



As duas faces da Política Externa Portuguesa inseridas no diálogo das civilizações


Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar, na voz de Júlio Cesar. Há um pequeno país situado no Sul da Europa, o mais ocidental de todas as culturas europeias, delimitado a Norte e Este por Espanha e a Sul e Oeste pelo Atlântico. Há uma civilização que nasce no século XII e que, em apenas três séculos, torna-se numa potência regional a nível económico, social e cultural, pela descoberta que inicia do mundo através dos seus limitados meios e abundância de ambição. Há uma história por detrás de cada monumento levantado, de cada Memorial enaltecido, de cada obra imortalizada, moldada pelas mãos de um herói colectivo, porém esquecido, identificado por José Saramago e que se sacrificou em cada batalha ao longo dos séculos na construção dessas histórias. Há um Estado que hoje colhe amargos frutos de um conturbado período a nível conjuntural que, em menos de cem anos, revela cinco facetas distintas no que toca à sua inserção no mundo. Há um futuro, misterioso e quanto incerto, para estes homens livres, lusitanos, que ainda persistem no século XXI: os portugueses.

Ao longo dos tempos, a posição de Portugal no contacto com outras civilizações tem-se regido pela inserção internacional que as suas prioridades a nível de política externa exigem e, por isso, um factor de extrema influência na relação com outros países. Cada relação é, assim, uma forma de diálogo distintivamente única que se estabelece entre as duas partes, arreigadas a interesses nacionais e sujeitas a pressões externas. No caso português, verificam-se, curiosamente, momentos da sua história distanciados de diálogo com civilizações, que tomam a forma de monólogo, remando contra a maré tendenciosa europeia, onde encarna uma personagem que vagueia sozinha, por vezes, pelo palco das civilizações, orgulhosamente só (Salazar, 1967). Noutros tempos, ainda o faz em oposição colonial ao liberalismo difundido por Napoleão no século XIX. Mas a constante dualidade de prioridades da política externa portuguesa não permite a durabilidade desta dança individualista; é necessário o país conectar-se em modo de diálogo para poder defender os seus interesses no palco internacional, como qualquer outro actor nacionalista: Europa ou Atlântico.

É ainda curioso notar que, nos períodos genéticos da formação de novos regimes políticos internos, estes também se pretendam definir por mudanças na política externa (Ferreira, 2006, 9), ou seja, assistimos, em períodos de mudança de regime político, evidentes alterações na política externa, passando de uma monarquia constitucional para o clima de instabilidade republicana, que consequentemente é transformado numa ditadura militar, legitimada pelo Estado Novo, que instaura um modelo autoritário, decomposto, depois, pelo estabelecimento da democracia, em 1974.

A História mostra-nos que uma simples escolha pode comprometer uma civilização inteira. É simples: no palco das civilizações, elas aparecem e desaparecem (…) umas duram o tempo de dois ou três espectáculos, outras atravessam alguns séculos (Braudel, 1989, 42). Portugal tem sido um actor único, cuidadosamente tratando dos seus conflitos externos, escolhendo as suas prioridades e agindo em conformidade com a imagem que transmite internacionalmente. Não podemos negar que algumas escolhas mais radicais do passado possam ter fragilizado a credibilidade do país. Mas, hoje, Portugal joga de acordo com os outros actores e integra-se no mundo real onde convergem as relações entre as diferentes culturas. Olhando para o belicamente danificado século passado, assumimos hoje a cooperação ao conflito, salvaguardando o bem-estar dos países que optam por outro tipo de persuasão. E o nosso país não é excepção.

Marcado pela sua pequenez, material e humana, Portugal afirma-se essencialmente a partir do século XV, com uma política aventureira expansionista, bloqueado para a Europa pela vizinha Espanha, que se estuda como uma interessante constante condicionante histórica que explica a misteriosa relação de confronto – “De Espanha, nem bom vento nem bom casamento” – e proximidade entre os dois países ibéricos – a neutralidade colaborante durante a Segunda Guerra Mundial -, por motivos claramente geográficos e, por isso, histórico-culturais.

Inicialmente, a expansão portuguesa dá-se por terra, para o Norte de África, com a conquista de Ceuta, com D. Afonso V, onde se dão os primeiros contactos com o continente africano, rico em matérias-primas. O seu filho, D. João II, muda de rumo, arriscando a expansão pela via marítima, onde estreia o Atlântico com as suas caravelas e tecnologia de herança árabe. É neste período da sua história que Portugal encara as suas potencialidades como potência, chegando à Índia com Vasco da Gama, em 1498, e ao Brasil com Pedro Álvares Cabral, em 1500, juntando a descoberta de Macau, já no século XVI, bem como o progressivo avanço em África. Luís de Camões canta, em Os Lusíadas, as aventuras dos portugueses por mares nunca dantes navegados, que Fernando Pessoa diz pertencerem a Portugal, quando retoricamente questiona: "Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal?/ Por te cruzarmos, quantas mães choraram,/ Quantos filhos em vão rezaram?/Quantas noivas ficaram por casar/Para que fosses nosso, ó mar!”. É o começo de um esforço estratégico muito intenso, que se prolongará durante vários séculos. O contacto entre civilizações é incrivelmente inovador para a época, enriquecendo o espírito do pequeno povo português, que se vê finalmente alargado às suas dimensões, outrora tão limitadas no continente europeu. É reconfortante pensar que a presença portuguesa nestes lugares nunca poderá ser apagada, apenas será continuamente absorvida e desvanecida pelo seu afastamento. Mas Portugal pretende nutrir uma boa relação com países em que a cultura portuguesa se encontra demasiado entranhada para desaparecer, como é o caso dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), uma iniciativa da segunda metade do século XX, posterior à conturbada descolonização, devido à Guerra Colonial. Foi este Império que o Estado Novo procurou proteger objectivamente na sua política externa, a custo do próprio isolamento internacional, mesmo aquando da mudança do estatuto jurídico das colónias portuguesas para províncias ultramarinas, partes constituintes de um só império… O Atlântico tem sido uma vertente muito presente na política externa portuguesa, uma opção a que Portugal regressa sempre, quando os ventos são favoráveis.

Por outro lado, não é justo negar a importância da Europa para Portugal, porque esta nunca foi totalmente neutra durante a sucessão dos regimes políticos. A participação portuguesa nos vários eventos europeus mostra este vínculo, que um dia desaguará como cidadania europeia, com a criação da União Europeia. No início do século XIX, sofremos três invasões francesas como consequência da recusa de adesão ao Bloqueio Continental à Grã-Bretanha, velho aliado desde a Idade Média; combatemos na Primeira Guerra Mundial, em 1916; participámos nas resoluções de paz, em 1919; na década de 1960, o país entra para a EFTA; participa na fundação da NATO e da OECE, actual OCDE, e entra posteriormente na ONU, devido ao veto pela União Soviética; em 1970, estabelece acordos com as Comunidades Europeias, só entrando definitivamente em 1986; em 1992, a União é oficializada pela união económica e na criação da identidade europeia. Hoje, mais do que nunca, Portugal fomenta os laços dentro da civilização europeia, fortalecendo-os. Há perspectivas que supõem o avanço da união para o plano político, confirmando a dependência de Portugal em relação à Europa e condicionando, em parte, o seu diálogo com as civilizações fora da corrente europeísta.

Penso sinceramente que o monólogo lusitano é justificado por esta particularidade que envolve as suas relações com as várias civilizações: um passado histórico e pretensões futuras distinguem Portugal enquanto membro da família europeia, que não abdica dos vínculos especiais com os PALOP e o Brasil, tornando-o num caso particular de política externa, que nunca será verdadeira e absolutamente absorvido pelas convicções da UE. O próprio atraso português na adoptação de novas cores ideológicas e correntes de pensamento em comparação com os outros países é um factor de margilização, deixando-o sempre um pouco à parte e fora da maré europeia. Por isso, é um actor misterioso, sempre com duas faces.

Os lusitanos, como um povo ibérico anterior à chegada e conquista romanas à península ibérica, não teceram qualquer registo nativo da sua actividade até esse momento, deixando um rasto misterioso quanto ao seu passado e, por isso, em relação ao seu futuro. O sangue lusitano permanece ainda hoje na raça portuguesa, e vive em Portugal, e na mística que envolve este pequeno corajoso país que, respeitando e ouvindo a Velha Mãe Europa, não deixa de espreitar nostálgica e esperançosamente, da sua janela, o imenso Atlântico.

Francisca Sassetti 
1º Ano, Ciência Política




BIBLIOGRAFIA
  • BESSA, António Marques (2012), O Olhar de Leviathan: Uma Introdução à Política Externa dos Estados Modernos, 2ª Edição Revista e Ampliada, Universidade Autónoma de Lisboa, Lisboa
  • BRAUDEL, Fernand (1989), Gramática das Civilizações, Teorema, Santa Maria da Feira, pp 5-50
  • FERREIRA, José Medeiros (2006), Cinco Regimes na Política Internacional, Editorial Presença, 2006
  • MOREIRA, Adriano (1977), O Novíssimo Príncipe, Intervenção, Lisboa.
  • NOGUEIRA, Franco (1971), As Crises E Os Homens, Ática, Lisboa.
  • OLVEIRA, Salazar (1967), Discursos e Notas Políticas, VI: 1956-1966, Coimbra Editora, Coimbra.

3 comentários:

  1. Duas palavras: Parabéns e Obrigada

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  2. Grande texto, Sassetti. Parabéns!

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  3. Obrigada! É tão bom ter este tipo de resposta de quem "nos lê"!
    Mas leiam também outros textos no blogue, que são incríveis e muito bem escritos!

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