1664, é este o número
de lugares sentados na Aula Magna na Universidade de Lisboa. Entre o
anfiteatro, as tribunas e as doutorais, são 1664 lugares sentados que no dia 30
de maio foram ocupados por críticos e inconformados com o estado de coisas.
Ainda mais
inconformados estavam aqueles que não se deixaram intimidar pela lotação
esgotada dos assentos e decidiram-se pelo chão, pelas escadas e corredores,
para conseguir testemunhar uma iniciativa inédita, portentosa e, acho, - apesar
de só o futuro o poder dizer – histórica.
Mais de duas mil
pessoas encheram aquele espaço. Entre ilustres e não tão ilustres, estudantes
(como eu) e reformados, radicais e moderados, 2000 chega a ser um número
singelo para o alvoroço que se fez sentir durante cerca de noventa minutos.
Mário Soares, apesar
dos seus oitenta e oito anos, e problemas de saúde bem recentes, conseguiu
convocar e organizar um encontro inédito, apesar das clivagens ideológicas e
conflitos da esquerda portuguesa.
Contra o que se
esperava, conseguiu reunir e concertar o que se julgava impraticável; reunir
toda a esquerda, com sindicais à mistura, conseguindo polvilhar a sala também
de independentes e de sociais democratas que ainda respeitam o que significa
ser do PSD. Os corajosos e coerentes, diga-se.
Mas vamos ao que
interessa: Libertar Portugal da
Austeridade. Foi este o título da conferência, dando também o mote à mesma.
Os oradores foram Mário
Soares – claro está -, Rosália Gama, Cecília Honório, João Ferreira, Ramos
Preto e Sampaio da Nóvoa. Todos mostraram à Aula Magna que ninguém estava
sozinho na luta contra o austerismo crónico em Portugal e na Europa. Apesar do
contributo fundamental de cada um, há que sublinhar o que se passou de pior e
de melhor na magna sala.
Primeiramente, e porque
ainda não percebi o objetivo, os partidos com assento parlamentar resolveram
enviar representantes de segunda linha para o congresso, mostrando pouco
empenho e sensibilidade para a magnitude do mesmo.
Percebo o argumento de
que queriam partidarizar o congresso o menos possível, sem secretários gerais
ou líderes parlamentares presentes. Contudo, isso sucedeu na mesma: tanto
Cecília Honório, como João Ferreira e Ramos Preto apresentaram os programas do
Bloco de Esquerda, do Partido Comunista Português e do Partido Socialista,
respetivamente. Destes três, o PS foi o que saiu menos fortalecido e acho que
fez por o merecer.
Na oportunidade única
que foi este congresso, o PS resolveu enviar um senhor que muita gente não sabe
quem é nem lhe conhece a cara, que presenteou o auditório com um discurso ainda
menos galvanizador que os do seu Secretário Geral, onde foi tudo muito à
superfície e pouco importado com a emergência do debate.
Bem dito, bem feito;
conseguiu ser menos agregador que o destacado pelo PCP, naquela que foi uma
oportunidade única de ganhar eleitorado mais à esquerda da moderação patológica
socialista.
Julgo que o congresso
valeu mesmo pelo seu início e pelo fim. Mário Soares, impulsionado pela carta
aberta do “camarada” Pacheco Pereira - um lapsus
linguae que provocou risos aos presentes, por talvez não ser tão inexato
assim –, deu uma pequena aula de História.
Nesta aula, fez questão
de relembrar Sá Carneiro e, através dele, a lição de “que acima do partido e das
suas circunstâncias está Portugal” e de que o fundador do PSD sentiria vergonha
por ver este governo, na medida em que o seu partido era social democrata e não
de direita. Um auditório esquerdista aplaudiu Sá Carneiro, depois de aplaudir
efusivamente cada frase mais vincada de Soares.
A Grândola fez-se ouvir
no final, mas não sem antes o reitor da Universidade de Lisboa encerrar a
sessão. E foi aí onde se sentiu o peso que as palavras verdadeiras, sem demagogia
nem histericismo, têm sobre um povo faminto de caras novas e de salvadores que,
pelo menos, defendam a sua pátria. Foi aí que falou Sampaio da Nóvoa.
No seu ar pausado,
meticuloso e quente, fez com que a Aula Magna se agitasse com a simplicidade e
importância do que dizia. Foi um homem que não é político a igualar (acho que
suplantou) o político decano Mário Soares.
Sempre no realismo de
que “não há receitas feitas” mas que têm de haver “diálogo e debate”, começou
por dizer que tinha a “estranha sensação de que todas as palavras já foram
ditas”. Sampaio da Nóvoa seduziu quem lá se encontrava com um discurso que nem
tão cedo cairá no esquecimento.
Muito menos cairão as
palavras que disse, as palavras que têm faltado nas bocas de muitos políticos
da esquerda à direita; a ameaça da desintegração do regime; a quebra do
contrato social; as desigualdades crescentes; e a irremediável descrença na
política e na democracia.
O reitor exigiu a
renovação da política e todos concordaram, na esperança de que os ilustres
presentes e seus respetivos aparelhos partidários o escutassem. A política tem
de ser renovada e Sampaio da Nóvoa é capaz de o ter começado a fazer sem se
aperceber.
Em menos de dez
minutos, o reitor conseguiu exaltar e entusiasmar os espetadores que vibravam e
batiam palmas a cada palavra e a cada frase que se sentia que era de todos.
Naquele momento, mais de duas mil pessoas coadotaram o discurso de Sampaio de
Nóvoa por aquilo representar o espírito de um povo desiludido e descrente.
Apesar dos apupos ao
atual Presidente da República durante a conferência, naquele momento em que
todos se uniram numa ovação de pé ao reitor, ficou o sabor da esperança de uma
sua eventual candidatura. Algo que só se saberá daqui por uns tempos. Eu tenho
a sensação que sim.
Na noite em que Pacheco
Pereira foi camarada de todos, percebeu-se que a camaradagem real neste momento
é daqueles que defendem o bem comum, aquele que não passa pelas amarras da
austeridade.
João Martins
1º ano Ciência Política
O artigo publicado é da exclusiva responsabilidade do seu autor.
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